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terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Grupo gaúcho adquire recicladoras de mercúrio


Os empresários gaúchos João Guilherme Sebben e Eduardo Sebben compraram recentemente as empresas Brasil Recicle, de Indaial-SC, e a Apliquim Tecnologia, com sede em Paulínia-SP. Ambas são especializadas em sistemas de sequestro de mercúrio. O metal pesado pode ser encontrado em várias aplicações, como nas lâmpadas frias e nos amálgamas odontológicos.

A Brasil Recicle concentra a atividade na retirada e descontaminação do elemento químico de lâmpadas. Já a unidade paulista, detentora de Iso 14001, consegue capturar o metal pesado do amálgama odontológico, termômetros e equipamentos de medir pressão arterial. Segundo Eduardo Sebben, o volume de mercúrio existente hoje no país, se fosse totalmente reciclado, tornaria desnecessária a compra e a extração do metal pesado, considerado altamente perigoso, principalmente no estado gasoso, como é encontrado nos garimpos clandestinos de ouro.

Das lâmpadas descartadas no Brasil, cerca de 80 milhões/ano, apenas 3% têm destinação adequada. O mercúrio presente nas lâmpadas é altamente tóxico e bastante volátil, pode contaminar o solo, os animais, as águas e os seres humanos. Para evitar possíveis impactos ao meio ambiente, deve-se dar um destino adequado às lâmpadas com vapor de mercúrio após o seu uso.
A reciclagem é considerada a melhor solução. O processo começa pela classificação das lâmpadas fluorescentes por comprimento e diâmetro, para, em seguida, encaminhá-las para o processo de descontaminação.

De acordo com Sebben, a descontaminação pode ser realizada com segurança desde que sejam observadas todas as etapas do processo, tais como análise laboratorial dos produtos e subprodutos, monitoramento técnico-ambiental, frota adequada para o transporte e devidamente licenciada, com sistema de exaustão para controle de vapores e profissionais treinados na manipulação dos materiais. A captura ocorre na máquina de descontaminação que funciona enclausurada e sob pressão negativa, para que não haja fuga do vapor de mercúrio.
Fernando C. de Castro

O mercúrio nunca se torna inerte
A máquina corta e limpa as lâmpadas automaticamente e permite a captura do vapor de mercúrio por exaustão forçada, realizada com apoio de filtros de carvão ativado. O ar carregado de partículas de pó de fosfato exaurido durante a limpeza das lâmpadas passa pelos filtros, nos quais as partículas ficam retidas. O ar atravessa o meio filtrante de carvão, saindo limpo para a atmosfera. O tubo de vidro descontaminado é recolhido no final da linha de produção.
As lâmpadas de bulbo (HID), após serem classificadas de acordo com suas dimensões, são submetidas à separação do terminal por corte. Junto com o terminal é retirado o bulbo interno que contém mercúrio e os sistemas de suportes que mantêm a posição do bulbo no interior da lâmpada. O pó de fósforo é retirado pela ação de forte pressão de ar seguida de exaustão.

Mas o volume de mercúrio em lâmpadas é insignificante. São necessárias 55 mil unidades para capturar 800 gramas do elemento químico. Os subprodutos da lâmpada são o vidro, reaproveitado na indústria de cerâmica, as sucatas metálicas, vendidas para fundições, e a poeira fosforosa que vai para a fabricação de tintas.
Fernando C. de Castro

Sebben: se Hg fosse reciclado, evitaria-se compra e extração
O problema do mercúrio é a sua bioacumulação, além do fato de jamais tornar-se inerte. Se uma lâmpada quebra, todo o volume de mercúrio vai para o ambiente e atingirá fatalmente algum bioma. Na opinião de Sebben, deveria haver um estímulo para a captura correta do mercúrio. Bastaria montar uma estrutura de reciclagem permanente dos volumes existentes no país, uma vez que o governo, pelo menos a princípio, sabe onde estão armazenados os descartes.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Mercúrio em Lâmpadas Fluorescentes


Mercúrio em Lâmpadas Fluorescentes

O mercúrio tem uma grande capacidade de se acumular nos organismos vivos ao longo da cadeia alimentar, processo esse conhecido como biomagnificação. Sua toxicidade já é conhecida de longa data, sendo que não se conhece qualquer função do mercúrio que seja essencial ao organismo humano. Dentre as espécies alquiladas do mercúrio, as de cadeia curta são mais comumente acumuladas em organismos vivos, devido à sua maior facilidade de transporte através de membranas celulares. O acúmulo do mercúrio, em especial do metilmercúrio em peixes de águas contaminadas, pode resultar em risco para o homem, além dos pássaros e mamíferos que se alimentam dos peixes (UNEP, 2007).

Derrames de mercúrio no ambiente podem ocorrer por processos naturais ou antrópicos. Os processos naturais são a gaseificação da crosta terrestre, emissões vulcânicas e evaporação natural de corpos d’água; os antrópicos são a mineração de ouro e prata, a produção de mercúrio a partir do cinábrio, a queima de combustíveis fósseis, a fabricação de cimento etc. Esses aportes podem causar a contaminação de rios, lagos e mares, principalmente quando essa contaminação decorre de um acidente industrial, podendo ser um risco potencial para a saúde humana (Souza e Barbosa, 2000).

Lâmpadas de mercúrio
Existem diversos tipos de lâmpadas para fins de iluminação. A Figura 1 representa alguns tipos de lâmpadas utilizadas. Elas são diferenciadas em dois grupos: a) as lâmpadas que contêm mercúrio, que são as lâmpadas fluorescentes (tubulares e compactas) e lâmpadas de descarga (mista, vapor de mercúrio, vapor de sódio e vapor metálico); b) e ainda as lâmpadas que não contêm mercúrio (lâmpadas incandescentes e halogenadas/dicróicas).

Figura 1: Alguns tipos de lâmpadas: (A) lâmpada incandescente; (B) lâmpadas fluorescentes tubulares; (C) lâmpada fluorescente compacta (Apliquim, 2007).
Figura 1: Alguns tipos de lâmpadas: (A) lâmpada incandescente; (B) lâmpadas fluorescentes tubulares; (C) lâmpada fluorescente compacta (Apliquim, 2007).
Dentre as lâmpadas que não contêm mercúrio, destacam-se as lâmpadas incandescentes. Elas são compostas de uma ampola de vidro bastante fino preenchido com um gás inerte, em geral o argônio, e um fino filamento constituído de tungstênio que, ao ser percorrido por uma corrente elétrica, se aquece até a incandescência, emitindo uma luz branca de tom levemente amarelado.

Dentre as lâmpadas que contêm mercúrio, destacam-se as lâmpadas fluorescentes como grandes poluidoras. A Tabela 1 mostra os principais produtos que contêm mercúrio em resíduos sólidos (DPPEA, 2004).

Existem vantagens das lâmpadas que contêm mercúrio sobre as que não o contêm. Em relação às lâmpadas incandescentes, as lâmpadas que contêm mercúrio têm eficiência luminosa de 3 a 6 vezes superior, têm vida útil de 4 a 15 vezes mais longa e 80% de redução de consumo de energia. Dessa forma, elas geram menos resíduos e reduzem o consumo de recursos naturais para a iluminação, diminuindo dependência da termeletricidade (ABILUX, 2005). Há de se destacar, também, que as lâmpadas de mercúrio, em especial as lâmpadas fluorescentes e de vapor, são utilizadas para criar melhores e efetivas fontes de luz artificial e vêm substituindo amplamente as lâmpadas incandescentes.

O uso de lâmpadas fluorescentes, então, pode representar uma significativa economia doméstica, comercial e industrial. Se por um lado a natureza agradece a economia no uso dos recursos naturais pelo uso de lâmpadas fluorescentes na iluminação, a proliferação do seu uso está gerando uma nova demanda ambiental: O que fazer com as lâmpadas queimadas? O mercúrio contido nas lâmpadas, como já sabemos, pode contaminar o solo, as plantas, os animais e a água. O risco oferecido por uma única lâmpada é quase nulo. No entanto, levando em consideração que o Brasil comercializa cerca de 100 milhões de lâmpadas por ano, o problema do descarte destas se agrava enormemente. Isso sem contar que as indústrias de reciclagem de lâmpadas de mercúrio são responsáveis pelo controle de apenas aproximadamente 6% do estoque de lâmpadas queimadas no país (Lumière, 2007). Além disso, o custo da reciclagem e a conseqüente descontaminação para o gerador de resíduo ainda são muito caros. No Brasil, uma tradicional empresa do ramo cobra pelos serviços de descontaminação em torno de R$ 0,60 a R$ 0,70 por lâmpada (Webresol, 2005). A esse preço, devem-se acrescentar os custos de frete (transporte), que podem variar de acordo com a distância e o volume. Dependendo da localização em que as lâmpadas estejam, o transporte pode elevar significativamente o preço da reciclagem, desmotivando, e muito, tanto a indústria recicladora quanto a geradora do resíduo. A embalagem e o seguro contra acidentes também são acrescentados ao preço. Logo, pode-se deduzir que as empresas que arcam com o ônus envolvido no processo de reciclagem são aquelas que, no presente momento, se encontram mais organizadas, ou seja, possuem um programa de controle ambiental mais definido.

Figura 2: Principais constituintes de uma lâmpada fluorescente (André, 2004).
Figura 2: Principais constituintes de uma lâmpada fluorescente (André, 2004).
Uma lâmpada fluorescente é constituída, basicamente, por um tubo de vidro recoberto internamente por pós de fósforo que são compostos por halofosfato de cálcio [Ca5(F,Cl)(PO4)3:Sb,Mn]. Os compostos (Y2O3:Eu), [(Ce,Tb)MgAl11O19)] e (BaMgAl10O17:Eu) são adicionados ao fosfato, formando os chamados fósforos vermelho, verde e azul respectivamente. Encontra-se também, entre o tubo de vidro e a camada luminescente de pó de fósforo, um pré-revestimento de alumina. O tubo é preenchido com gás inerte (argônio, neônio, criptônio e/ou xenônio) à baixa pressão (0,003atm) e vapor de mercúrio à baixa pressão parcial. Nos extremos das lâmpadas, há os eletrodos, feitos de tungstênio ou aço inox (na Figura 2, está apresentado apenas o catodo, pois o anodo se encontra na extremidade direita, o que é não apresentado na figura). Nessas condições, o tubo está em vácuo parcial (André, 2004).

Quando a lâmpada é ligada, uma corrente elétrica aquece os cátodos que são recobertos com um material emissivo especial, os quais emitem elétrons. Os elétrons passam de um eletrodo para outro, criando uma corrente elétrica. O fluxo de elétrons entre os eletrodos ioniza os gases de enchimento, o que cria um fluxo de corrente entre os eletrodos. Os elétrons por sua vez colidem com os átomos do vapor de mercúrio excitando-os, causando assim a emissão de radiação ultravioleta (UV). Quando os raios ultravioleta atingem a camada fosforosa que reveste a parede do tubo, ocorre a fluorescência, emitindo radiação eletromagnética na região do visível.

Legislação ambiental sobre o descarte de lâmpadas de mercúrio

Pelas normas brasileiras (ABNT, 1987a), um resíduo será “perigoso” (classe I) quando este ultrapassar os seguintes parâmetros:

— Limite máximo de mercúrio em teste de lixiviação de 0,1 mg L–1.

— Limite máximo de mercúrio no resíduo total de 100 mg kg–1.

O teste de lixiviação, descrito na Norma ABNT NBR 10.005 de 1987 (ABNT, 1987b), consiste em simular em laboratório as condições mais inadequadas possíveis nos processos de deposição (quando os resíduos das lâmpadas são misturados com outros resíduos) e verificar o quanto de mercúrio é extraído do resíduo nessas condições. A fase líquida usada como extrator constituirá o lixiviado que será submetido a análises químicas para verificar a periculosidade do resíduo. Caso a concentração do mercúrio no lixiviado esteja acima do limite máximo, ele deve ser disposto em instalações adequadas.

Com relação aos resíduos gerados pelas lâmpadas fluorescentes, o bulbo de vidro de uma lâmpada apresenta 70% da massa total de uma lâmpada de vapor de mercúrio. O chumbo, presente no vidro, excede os limites estabelecidos pela ABNT. Logo, esse resíduo é classificado como perigoso, ou seja, um resíduo de classe I. O pó de fósforo, que representa 2% da massa total de uma lâmpada fluorescente, contém mercúrio e cádmio. Concentrações elevadas do mercúrio, que podem variar de lâmpada para lâmpada, também qualificam esse resíduo como perigoso.

O Projeto de Política Estadual para Resíduos Sólidos da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo determina que fabricantes sejam responsáveis pela destinação de seus resíduos, mesmo após o consumo. Em relação às lâmpadas fluorescentes, o projeto de nº 301/97 dispõe sobre seu descarte e destinação final, determinando que os revendedores exijam dos consumidores, no ato de compra de lâmpadas novas, lâmpadas usadas. Estas seriam, então, recolhidas periodicamente pelos fabricantes (USP Recicla, 2007).

Quantificação de mercúrio em lâmpadas fluorescentes

A quantidade de mercúrio em uma lâmpada fluorescente pode variar de acordo com o tipo de lâmpada, o fabricante e o ano de fabricação. Essa quantidade vem diminuindo significativamente com o decorrer dos anos. Segundo a National Electrical Manufacturers Association (NEMA), a quantidade de mercúrio em lâmpadas fluorescentes, entre 1995 e 2000, foi reduzida em cerca de 40% (Raposo e cols., 2003). Atualmente, a quantidade média de mercúrio em uma lâmpada fluorescente de 40 W, segundo a U.S. EPA (United States Environmental Protection Agency) está em torno de 21mg. Existe controvérsia quanto à quantidade das espécies de mercúrio nas lâmpadas. Dados fornecidos pela NEMA indicam que 0,2%, ou seja, 0,042 mg estão sob a forma de mercúrio elementar, no estado de vapor. Os outros 99,8% (20,958 mg) estão sob a forma de Hg2+, adsorvido sobre a camada fosforosa e o vidro (Raposo, 2001).

A complexidade na quantificação das espécies de mercúrio pode ser explicada por meio de possíveis interações do mercúrio que resultem na formação de novas espécies.

A determinação de diferentes espécies de Hg em resíduo de lâmpada fluorescente foi descrita em trabalho recente (Raposo e cols., 2003). Nesse estudo, foi usada a técnica de termodessorção acoplada à absorção atômica (TDAAS) para determinação dos estados de oxidação do mercúrio presentes no resíduo de pó de fósforo de lâmpada usada e no vidro. A termodessorção, ou seja, a dessorção térmica, é uma técnica que usa energia térmica para separar fisicamente compostos voláteis de suas matrizes, como é o caso do mercúrio que é dessorvido pelo aquecimento das amostras como os solos, sedimentos e o fosfato, que são matrizes muito utilizadas em análises no sistema TDAAS. A espectroscopia de absorção atômica (AAS) baseia-se no princípio de que átomos gasosos no estado fundamental absorvem radiação eletromagnética em determinados comprimento de onda. O conjunto de linhas de absorção é específico de cada elemento químico, e sempre há uma linha onde a absorção é mais intensa, muitas vezes escolhida para medidas.

Figura 3: Desenho esquemático do sistema TDAAS (Windmöller, 1996).
Figura 3: Desenho esquemático do sistema TDAAS (Windmöller, 1996).
No sistema TDAAS, as amostras são submetidas a aquecimento controlado de temperatura, com uma razão de aquecimento de 33ºC/min, da temperatura ambiente até cerca de 550ºC, em um forno constituído de um tubo de quartzo envolto por uma bobina de Ni-Cr. Durante o aquecimento, um fluxo de nitrogênio passa constantemente pela amostra, funcionando como gás de arraste que leva os vapores gerados pelo aquecimento para a cela de detecção de um Espectrofotômetro de Absorção Atômica. Um termopar é colocado acima da amostra para monitorar seu aquecimento. Dessa forma, o mercúrio que sai da amostra pelo aquecimento vai para o espectrofotômetro onde é detectado. No caso das espécies de Hg2+, elas sofrem volatilização e redução para Hg0 pelo calor antes de alcançarem o detector. Obtêm-se registros de unidade de Absorvância em função da temperatura acima da amostra, denominados termogramas. A Figura 3 ilustra o esquema do equipamento montado para termodessorção de mercúrio de matrizes sólidas e detecção por Absorção Atômica (Windmöller, 1996). O que se observa com esse sistema é que diferentes espécies de mercúrio termodessorvem em diferentes faixas de temperatura, como é mostrado na Figura 4.

Figura 4: Termogramas de amostras dopadas com padrões de mercúrio (Raposo e cols., 2003).
Figura 4: Termogramas de amostras dopadas com padrões de mercúrio (Raposo e cols., 2003).
Pela análise de várias amostras de pó de fósforo e comparação com esses padrões, os autores identificaram as espécies de mercúrio presentes nos resíduos de lâmpadas fluorescentes de várias marcas, tanto novas quanto usadas. Esses estudos revelaram que tanto o Hg0, que foi a espécie inicialmente adicionada à lâmpada, como as espécies Hg1+ e Hg2+ foram encontradas nos resíduos de pó de fósforo. Houve casos que apenas Hg2+, em quantidade grande, foi encontrado. Na Figura 5, são apresentados termogramas de algumas amostras de pós de fósforo de lâmpadas fluorescentes desse trabalho.

Os resultados mostraram que nesse tipo de matriz ocorreu a oxidação do Hg0adicionado na confecção da lâmpada. Como Hg2+, no meio ambiente, o mercúrio pode ser metilado e formar as espécies mais tóxicas do metal ou ainda formar espécies mais solúveis, podendo ser lixiviado para sistemas aquosos. Esses resultados apontam para uma maior preocupação com relação ao descarte dessas lâmpadas.

Figura 5: Termogramas de amostras de pó de fósforo de lâmpadas fluorescentes usadas/queimadas.
Figura 5: Termogramas de amostras de pó de fósforo de lâmpadas fluorescentes usadas/queimadas.
Figura 6: Termograma de uma amostra de vidro de lâmpada fluorescente (Raposo e cols., 2003).
Figura 6: Termograma de uma amostra de vidro de lâmpada fluorescente (Raposo e cols., 2003).
Outro grave problema ambiental são os resíduos de vidro dessas lâmpadas. Análises do vidro de lâmpadas usadas/queimadas mostraram a dessorção do mercúrio em intervalos de 240 a 800°C, conforme apresentado na Figura 6. Esses resultados mostram que o mercúrio está fortemente ligado a ela, o que pode causar um problema de perda de Hg no processo de reciclagem desse vidro (Raposo e cols., 2003).

Outros trabalhos como, por exemplo, de Thaler e colaboradores (1995); Lankhorst e colaboradores (2000); e Dang e colaboradores (2002), utilizando principalmente a técnica de espectroscopia de raios-X, na tentativa de elucidar as diferentes interações do mercúrio com os componentes das lâmpadas fluorescentes, resultaram em conclusões na maioria das vezes vagas, sem ser possível inferir o estado de oxidação ou ainda o tipo de ligação que ocorre.


Descontaminação de resíduos de lâmpadas fluorescentes

Para a descontaminação de resíduos de lâmpadas fluorescentes, existem os processos térmicos, a lixiviação ácida, a estabilização e a incineração (Raposo, 2001). Essa última não é recomendada, pois pode gerar sérios problemas ambientais devido à emissão de mercúrio para a atmosfera.

Os dois primeiros processos, tratamento térmico e lixiviação ácida, são, até o momento, as formas de tratamento mais indicadas ambientalmente, pois permitem a recuperação do mercúrio por meio da reciclagem.

A reciclagem de lâmpadas refere-se à recuperação de alguns de seus materiais constituintes e a sua reutilização em indústrias ou nas próprias fábricas de lâmpadas. Existem vários sistemas de reciclagem em operação em diversos países da Europa, EUA e Japão. No Brasil, existem empresas como a Recitec (Pedro Leopoldo, MG), Apliquim (Paulínia, SP), Mega Reciclagem (Curitiba, PR), Brasil Recicle (Indaial, SC) e Sílex (Gravataí, RS) que atuam na reciclagem de lâmpadas fluorescentes (Naime e Garcia, 2004).

O processo de reciclagem de lâmpadas de mercúrio mais utilizado envolve duas fases de tratamento. A primeira é a chamada fase preparatória, na qual, por meio de um processo físico, as lâmpadas são implodidas e quebradas em pequenos fragmentos. As lâmpadas são introduzidas em processadores especiais e, por meio de separadores gravimétricos e eletromagnéticos, latão, terminais de alumínios e pinos são separados (Figura 7).

Figura 7: Componentes de lâmpadas fluorescentes separados (MRT, 1998).
Figura 7: Componentes de lâmpadas fluorescentes separados (MRT, 1998).
Um sistema de exaustão permite separar a poeira fosforosa juntamente com a maioria do mercúrio. O pó de fósforo e particulados são então coletados em um filtro. Por fim, os materiais constituintes das lâmpadas fluorescentes são separados em quatro grupos: os terminais de alumínio com seus componentes ferro-metálicos; o vidro; o pó de fósforo rico em mercúrio; e o isolamento baquelítico que existe nas extremidades das lâmpadas. Dentre todos os constituintes, somente o isolamento baquelítico não é reciclado. Os vidros podem ser recuperados para produção de novas lâmpadas ou novos vidros em aplicação não alimentar. O alumínio e os pinos de latão, após limpeza, podem ser fundidos e utilizados para produção de novos materiais. O pó de fósforo, quando livre do mercúrio, pode ser reutilizado em fábricas de cimento.

A segunda fase consiste na recuperação do mercúrio contido no resíduo de pó de fósforo. Esta, como já foi dito, envolve um processo químico ou um processo térmico. No processo térmico, o material é aquecido a temperaturas muito altas (maiores que 600°C). O material vaporizado a partir desse processo é condensado e coletado em recipientes especiais ou decantadores. O mercúrio assim obtido pode passar por nova destilação para se removerem impurezas. Emissões fugitivas durante esse processo podem ser evitadas usando-se um sistema de operação sob pressão negativa (PCEPC, 2007).

No caso do processo químico, ou lixiviação, o resíduo é tratado por processo de extração, envolvendo algum líquido extrator e a solução resultante precisa então passar por algum outro tratamento para recuperar o mercúrio.

O método de lixiviação tem como desvantagens, comparado com o processo térmico, a complexidade do processo, a necessidade de diversas etapas, a utilização de reagentes químicos e, especialmente, a geração de efluentes que demandam um tratamento adequado para serem descartados, sendo, portanto, menos utilizado que o processo térmico.

Considerações finais
Fica constatado que as lâmpadas fluorescentes, quando descartadas de forma inadequada, representam um perigo ambiental, uma vez que estas apresentam um teor de mercúrio elevado que pode se espalhar no meio ambiente. Estudos de especiação do metal em resíduos sólidos de lâmpadas fluorescentes mostraram que o metal, introduzido na forma metálica na produção das lâmpadas, pode sofrer oxidação e, uma vez que elas sejam descartadas inadequadamente, ganhar mobilidade no meio ambiente. Cuidados devem ser tomados na reciclagem do vidro proveniente desse resíduo, uma vez que ele também apresenta mercúrio, o qual é extraído a temperaturas altas desse material. Também a utilização desse vidro para outros fins quaisquer, como armazenamento de bebidas ou confecção por crianças e adolescentes do conhecido cerol utilizado em linhas de pipas, apresenta um potencial risco.

A busca pela melhoria dos métodos de descontaminação do mercúrio em resíduos de pó de fósforo traz a expectativa de uma resolução para o problema do lixo tóxico gerado pelo descarte descontrolado das lâmpadas fluorescentes. É de suma importância que a reciclagem esteja amparada por recursos tecnológicos que permitam a recuperação eficaz desses constituintes, em especial o mercúrio, uma vez que esse metal, apesar de essencial para o funcionamento das lâmpadas fluorescentes, é altamente tóxico.

  • Referências
    1. ANDRÉ A.S. Sistemas eletrônicos para lâmpadas de vapor de sódio de alta pressão. 2004. Tese (Doutorado em Engenharia Elétrica)- Departamento de engenharia elétrica, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.
    2. APLIQUIM, Apliquim Tecnologia Ambiental.
    3. ABILUX, Associação Brasileira da Indústria da Iluminação.
    4. ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas. Resíduos sólidos. Classificação. Rio de Janeiro: 63 p. (NBR 10.004), 1987a.
    5. ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas. Lixiviação de resíduos. Rio de Janeiro: 10 p. (NBR 10.005), 1987b.
    6. DANG, T.A.; FRISK, T.A. e GROSSMAN, M.W. Applications of surface analytical techniques for study of the interactions between mercury and fluorescent lamp materials. Journal Analytical and Bioanalytical Chemistry, v. 373, p. 560-570, 2002.
    7. LANKHORST, M.H.R.; KEUR, W. e VAN HAL, H.A.M. Amalgams for fluorescent lamps. Part II: The systems Bi-Pb and Bi-Pb-Au-Hg. Journal of Alloys and Compounds, v. 309, p. 188-196, 2000.
    8. MRT, Mercury Recovery Technology AB. Kaliumvägen 3, Sweden. 2004. – (MRT, 1998).
    9. NAIME, R. e GARCIA, A.C. Revista Espaço para a Saúde, Londrina, v.6, n.1, p. 1-6, dez. 2004.
    10. DPPEA, North Carolina Division of Pollution Prevention and Environmental Assistance.
    11. PCEPC, Projeto Coleta de Embalagens Pós Consumo.
    12. LUMIÈRE.
    13. RAPOSO, C. Contaminação ambiental provocada pelo descarte não controlado de lâmpadas de mercúrio no Brasil. 2001. Tese (Doutorado em Geologia)- Departamento de Geologia, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2001.
    14. RAPOSO C.; WINDMÖLLER C.C. e DURÃO Jr., W.A. Mercury speciation in fluorescent lamps by thermal release analysis. Waste Management, v. 23, p. 879-886, 2003.
    15. SOUZA, J.R. e BARBOSA A.C. Contaminação por mercúrio e o caso da Amazônia.Química Nova na Escola, n.12, p. 3-7, novembro de 2000.
    16. THALER, E.G., WILSON, R.H. e DOUGHTY, D.A. Journal Electrochem. Soc., v. 142, p. 1968-1970, 1995.
    17. UNEP, United Nations Environment Programme.
    18. USP recicla.
    19. WEBRESOL.
    20. WINDMÖLLER, C.C. Especiação de mercúrio em solos contaminados por termodessorção-absorção atômica. 1996. Tese (Doutorado em Química)- Instituto de Química, Universidade de Campinas, Campinas, 1996.

Toxicologia do Mercurio


Toxicologia do Mercurio

Os compostos químicos contendo mercúrio são classificados, do ponto de vista toxicológico, em dois grupos principais: compostos orgânicos e compostos inorgânicos, onde se inclui também o mercúrio atômico ou elementar.
O mercúrio inorgânico pode apresentar-se sob três formas diferentes e com características toxicológicas bastante diversas entre si, conforme seu estado de oxidação:
1) forma metálica ou elementar (Hgo);
2) forma mercurosa ou catiônica monovalente (Hg+);
3) forma mercúrica ou catiônica bivalente (Hg2+).
Os compostos orgânicos, por sua vez, provêm da ligação covalente entre o íon mercúrio (Hg2+) e pelo menos um átomo de carbono, formando sais como o monometil mercúrio (CH3Hg+) e o cloreto de etilmercúrio (C2H5ClHg) (ALESSIO et al., 1995a)
Sintomas e sinais clássicos, relacionados à ação tóxica no sistema nervoso central, estão normalmente associados à exposição a mercúrio elementar e compostos de orgânicos de mercúrio, enquanto o rim é o órgão crítico para as formas inorgânicas monovalente e bivalente. Os mecanismos de ação tóxica nos sistema nervoso central e periférico têm sido estudados de maneira diferenciada, dependendo da forma de mercúrio em questão. Nesse sentido, existem muito mais trabalhos informando sobre a toxicodinâmica no sistema nervoso central e sistema nervoso periférico dos compostos de mercúrio orgânico (metil e etilmercúrio, por exemplo) do que das formas de mercúrio inorgânico. Isto se deve aos desastres ambientais ocorridos em Minamata e Niiagata, no Japão (nas décadas de 50 e 60), e à contaminação de sementes no Iraque (no início dos anos setenta), episódios nos quais centenas de pessoas foram contaminadas por metilmercúrio, no Japão, e etilmercúrio, metilmercúrio e fenilmercúrio no Iraque, apresentando quadros de intoxicação bastante graves e produzindo uma geração de crianças com deficiências ao nível de sistema nervoso central e sistema nervoso periférico.
O Quadro 1 resume os possíveis achados clínicos úteis para o diagnóstico dos variados tipos de exposição a compostos de mercúrio.
Quadro 1 – Resumo dos achados clínicos nos quadros de intoxicação por mercúrio, de acordo com o tipo de composto envolvido.
Indicativos
Hgo (metálico, elementar)
Sais orgânicos
Compostos orgânicos
Vias de exposição preferênciasInalação (via oral eventualmente)Digestivadigestiva
dérmica
Distribuição tecidual preferencialSNC
Rins
RinsSNC
rins
SNP
Excreção predominanteRenalRenal• fecal
• < renal
Sinais e Sintomas
• SNCtremor + eretismo-tremor, ataxia, disartria, parestesias
• Olhosmercurialentis-visão tunelar
• Aparelho respiratóriopneumonite químicairritação, corrosão, sangramento-
• Trato gastrintestinal-irritação, corrosão, sangramento-
• Rinsinsuficiência renal crônicainsuficiência renal aguda (necrose tubular)lesão tubular crônica
• TerapêuticaBAL; DMPS; DMSABAL; DMPS; DMSADMSA; resinas tióis
FONTE: Modificado de SUE, 1994.
Mercúrio metálico ou elementar 
O mercúrio metálico encontra-se, basicamente, só no ambiente ocupacional, onde os trabalhadores se expõem à intoxicação crônica por via inalatória e, eventualmente, aguda, quando de vazamentos acidentais de vasos com alta pressão.
Pode ser ingerido, principalmente por crianças, a partir de contato manual com o conteúdo de instrumentos de medida quebrados, como termômetros ou barômetros. Injeções acidentais, terapêuticas, ou em tentativas de homicídio ou suicídio, podem ocorrer, envolvendo as vias subcutânea, intramuscular, endovenosa e intrarterial, esta última forma estando relacionada a acidentes com barômetros utilizados, até pouco tempo atrás, para medida de pressão arterial central durante cirurgias cardíacas e neurocirurgias.
A. Intoxicação Aguda
A intoxicação aguda por exposição inalatória se dá, geralmente, em altas concentrações, após vazamentos em processos industriais, e/ou durante jornadas de trabalho prolongadas, em ambientes fechados e moderadamente contaminados.
O mercúrio elementar quando inalado é quase completamente absorvido através da membrana alvéolo-capilar, sendo que um pequeno percentual é retido nos próprios pulmões para ser devolvido ao espaço alveolar.
Em altas concentrações, no entanto, antes que ocorra a absorção, ele pode causar um quadro clínico de pneumonite química, com insuficiência respiratória aguda, dor pleurítica, ocorrência de pneumotórax e pneumomediastino, bronquite erosiva e bronquiolite. A bronquiolite é mais comum em crianças jovens e pode causar dilatação alveolar e formação de pneumatoceles. Alguns casos de evolução para a fibrose pulmonar já foram descritos, apesar de serem raros.
Mesmo em altas concentrações ambientais (níveis de 1000µg/m3, por exemplo), o paciente pode apresentar quadro respiratório passível de ser confundido com uma infecção das vias aéreas de curta duração, com tosse, dispnéia leve e chiadeira durando dois a três dias, e resolução espontânea. Em alguns casos, alterações funcionais, como restrição e decréscimo na difusão pulmonar, persistem, mesmo na ausência de alterações radiológicas. Todos esses sinais e sintomas respiratórios podem ser acompanhados por náusea, vômitos, dor abdominal, diarréia, cefaléia, assim como de gosto metálico na boca. O quadro clínico de febre dos fumos metálicos, de resolução fugaz, também tem ocorrido.
Já por via gastrintestinal, o mercúrio metálico não apresenta o mesmo risco de absorção, recomendando-se tratamento conservador e conduta expectante, esperando sua eliminação completa pelas fezes, apesar do risco de absorção em alguns raros casos descritos na literatura.
B. Intoxicação Crônica
Nas exposições crônicas, os efeitos estão relacionados com o órgão-alvo principal, que é o sistema nervoso central. Três quadros clínicos diferentes podem ser estabelecidos:
a) mercurialismo crônico
b) micromercurialismo
c) efeitos pré-clínicos ou sub-clínicos precoces
Os três quadros clínicos diferenciam-se entre si basicamente pela intensidade dos fenômenos evidenciados, mas com interposição e sobreposição de sinais e sintomas.
a) Mercurialismo crônico
A expressão mercurialismo crônico define o quadro clínico geral e mais característico da intoxicação crônica por mercúrio inorgânico na forma elementar. Consiste essencialmente em alterações provocadas nos sistemas nervosos central, autônomo e periférico, representadas por tremor de extremidades (principalmente dedos), eretismo psíquico e distúrbios vaso-motores.
Incluem-se também sob esta denominação as alterações da mucosa oral e de glândulas salivares, com gengivites, estomatites, ptialismo A histopatologia das lesões orais se resume em hiperplasia, edema e infiltração mononuclear da submucosa; alterações alveolíticas dentárias podem ser observadas em estudos radiológicos da região. O ptialismo secundário à intoxicação pelo mercúrio já era reconhecido no século VIII como sinal de dosagem adequada de sais mercuriais no tratamento de diversas doenças, inclusive da sífilis. Eventualmente, têm-se também algumas alterações do cristalino, que corresponde a uma descoloração observada pela primeira vez em 1943. Ela é diagnosticada com o uso de lâmpada de fenda, a qual mostra um reflexo amarronzado, acinzentado escuro ou vermelho acinzentado (mercurialentis), simetricamente encontrado na cápsula anterior do cristalino de ambos os olhos. Essa coloração alterada se deve à deposição de mercúrio. Não há evidências de que essa anomalia cause sintomas visuais, ou leve à ocorrência de outras lesões oftalmológicas.
A restrição do campo visual, provavelmente secundária à atrofia central do nervo óptico, tem sido descrita apenas em exposição a compostos de mercúrio orgânico, não sendo evidenciada em pessoas expostas a sais inorgânicos ou mercúrio elementar.
A esses sintomas, diversos autores acrescentam distúrbios renais pouco freqüentes, que aparecem em exposições crônicas, em função da dose absorvida: variam da proteinúria de alto peso molecular, assintomática, das exposições a baixas concentrações, até a síndrome nefrótica, em exposições a concentrações mais acentuadas e prolongadas. Um efeito renal precoce pode ser detectado, se traduzindo pela excreção alterada de enzimas de células tubulares lesadas.
Alguns casos de glomerulonefrite de tipo membranosa, com depósitos de imunocomplexos, foram descritos. Modelos animais experimentais confirmam a imunodependência das lesões glomerulares causadas pelo mercúrio elementar. A necrose tubular aguda é encontrada após ingestão de cloreto de mercúrio (sal inorgânico), mas não ocorre com o mercúrio elementar.
Tremor de extremidades
O tremor de extremidades no mercurialismo crônico é detectado inicialmente nos dedos das mãos, acometendo também as pálpebras e a língua, e progredindo para os membros, tanto superiores quanto inferiores. Considerado como um tremor muscular, ele é o sinal mais comum do mercurialismo crônico, mas não necessariamente o primeiro a aparecer. As alterações neurocomportamentais podem sobrevir na ausência do tremor ou de outros sinais de intoxicação. A ocorrência do tremor parece necessitar de um tempo de exposição relativamente longo, entre 8 e 10 anos, nas exposições crônicas, a baixas concentrações.
Nos efeitos causados pela exposição ocupacional a mercúrio, pode-se classificar o tremor em estágios sucessivos de gravidade:
a) grau 1 - leve tremor estático, que é diagnosticado apenas quando se pede ao paciente para estender completamente os braços e antebraços, mantendo os dedos afastados. Neste estágio, dificilmente o próprio paciente percebe o tremor como algo incômodo, não atrapalhando nenhum dos movimentos rotineiros ou atividades motoras corriqueiras, incluindo as desenvolvidas no trabalho;
b) grau 2 - tremor estático, em grau mais intenso associado a tremor intencional, mais evidente. Neste estágio pode haver perturbação moderada da atividade muscular motora delicada, dificultando certas atividades;
c) grau 3 - tremor estático e intencional que claramente perturba as atividades motoras rotineiras como escrever, sustentar copos e xícaras, ou mesmo barbear-se;
d) grau 4 - tremor intenso levando a dificuldade em realizar movimentos mais grosseiros e amplos;
e) grau 5 - tremor intenso e generalizado, impedindo atividades quotidianas (concussio mercurialis).
O tremor do mercurialismo crônico, em qualquer dos graus descritos, se caracteriza pela sua piora induzida pela observação por uma pessoa próxima ou uma situação de estresse emocional. A presença do tremor pode induzir mudanças de comportamento, como o de alimentar-se sozinho, em ambientes afastados dos outros, por exemplo.
Quando no grau 1 da classificação exposta, o tremor pode ser de difícil identificação se o exame neurológico se fizer apenas com a observação desarmada; ele necessita de equipamento apropriado. A análise da caligrafia do paciente pode ser uma arma diagnóstica importante em alguns casos selecionados.
Na literatura encontra-se ainda uma outra classificação do tremor característico do mercurialismo crônico, dividida em dois quadros clínicos básicos, com predominância de um deles, mas podendo haver sobreposição e mesmo complicação pela adição do quadro psíquico de eretismo:
a) tremor fino intencional, que lembra o tremor encontrado em pacientes que sofrem de esclerose múltipla;
b) tremor tipo parksoniano, estático, de repouso, com função motora reduzida.
O tremor das extremidades pode persistir por muitos anos após o cessar da exposição, mesmo depois do desaparecimento de outros sinais neurológicos como descoordenação motora, tonturas, insônia e fadiga.
O tremor pode ter evolução progressiva e contínua, atingindo praticamente o corpo todo, dificultando a marcha e alterando a fala, tornando-a trêmula, simulando fala com “pronúncia estrangeira” e em ritmo de staccato, dificultando o entendimento e a comunicação (psellismus mercurialis).
Alterações neurológicas nesse grau de intensidade foram descritas pela primeira vez em 1860, por um médico de New Jersey, EUA, em trabalhadores ligados à manufatura de chapéus de feltro, como “tremor dos chapeleiros” (hatter’s shakes). Nessa época a população leiga referiria-se a esses chapeleiros acometidos pelo mercúrio como “chapeleiros malucos” (mad hatters) devido, provavelmente, à sua marcha alterada, à sua extrema timidez (eretismo) e ao gaguejar ou staccato da fala. Esse estereótipo ganhou maior fama com a publicação do livro “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Caroll, em 1865, onde é apresentado um personagem de comportamento alterado, denominado “Mad Hatter”.
Eretismo psíquico
O termo eretismo provém do grego e significa excitação. Foi adotado pela terminologia médica com o significado de “estado de excessiva irritabilidade, extrema e intensa reatividade, e labilidade emocional, envolvendo sinais de depressão e introspecção exagerada”.
O eretismo mercurial, presente em praticamente todos os casos de mercurialismo crônico, caracteriza-se por alterações mentais nem sempre típicas, e que podem se sobrepor a alterações presentes em outros tipos de doenças ou distúrbios psicológicos. Entre os sintomas distinguem-se a irritabilidade, as alterações freqüentes do humor, a labilidade emocional, a timidez excessiva, insegurança, desânimo, medo de ser criticado, insônia, perda de memória recente, desatenção, dificuldade de concentração, melancolia e depressão. Dependendo da intensidade e do tempo de exposição, o paciente pode apresentar sintomas de grau leve, indefinidos, como sensação de que “algo está errado” com sua mente e com seu comportamento, até graus mais graves, quando as alterações de humor, a labilidade emocional e a depressão predominam.
Distúrbios vasculares
Os distúrbios vasculares provocam, em alguns casos de excessiva exposição, um quadro associando dermografismo, rubor facial episódico e sudorese excessiva, secundários a um possível distúrbio do sistema nervoso autônomo.
Apesar de alguns estudos mostrarem que em exposições prolongadas acima de 50µg/m3 de mercúrio no ar (o que corresponde a cerca de 50 a 100µg/g de creatinina na urina), sinais e sintomas leves de intoxicação, com alteração do funcionamento do sistema nervoso central, já podem ser detectadas, outros trabalhos têm registrado que as exposições múltiplas a picos elevados de mercúrio no ar podem ser mais perigosas, pois nessas situações existe também maior passagem de mercúrio não ionizado para o sistema nervoso central.
b) Micromercurialismo
O micromercurialismo pode ser definido como um conjunto mínimo de sinais e sintomas que ocorrem no mercurialismo crônico e que pode caracterizar um quadro de intoxicação leve em trabalhadores expostos cronicamente a concentrações de mercúrio inferiores a 100µg/m3. Tais sinais e sintomas resumem-se basicamente em anorexia, perda de peso, alguns dos sintomas de eretismo e presença de tremores finos discretos (grau 1). Exposições a concentrações entre 10 e 50µg/m3 dificilmente causam perda de peso e anorexia.
c) Efeitos pré-clínicos ou sub-clínicos precoces
Do ponto de vista qualitativo, os efeitos pré-clínicos ou sub-clínicos precoces pouco se distinguem das alterações descritas até agora. O que se busca com essa classificação é o diagnóstico precoce das mesmas alterações descritas como mercurialismo crônico quando em grau menos intenso ou em estado pré ou sub-clínico. Visando utilizar metodologia mais sensível e sofisticada para o diagnóstico pré-clínico, adota-se a terminologia da neuropsicologia para os sinais e sintomas de possível acomentimento pelo mercúrio elementar, denominando-os “alterações neurocomportamentais”.
A análise da literatura afim mostra que se pode classificar as alterações neurocomportamentais secundárias à exposição ao mercúrio elementar em três grupos principais:
a) distúrbios do sistema motor, como o tremor fino, que são o sinal e o sintoma neurocomportamental mais freqüentemente mencionados;
b) deterioração da capacidade intelectual, que tem sido descrita como insidiosa no seu desencadear, mas gradualmente progressiva em seu desenvolvimento, afetando a memória e as capacidades de concentração e raciocínio lógico;
c) alterações do estado emocional, com sintomas inespecíficos, como depressão (humor depressivo), fadiga, desânimo, irritabilidade e “sensibilidade social” (Quadro 2). Tendência à sudorese excessiva e rubor facial são freqüentemente associados a essa síndrome emocional. Conforme discutido no item sobre mercurialismo crônico, o termo “eretismo” tem sido utilizado para descrever essa síndrome emocional.
Quadro 2 – Resumo das alterações pré-clínicas ou sub-clínicas em pessoas expostas a mercúrio inorgânico elementar
Alterações psicomotorasTremor de extremidades
Velocidade motora (tempos de reação)
Coordenação motora
Alterações das capacidades intelectuaisMemória visual
Memória auditiva
Cognição
Raciocínio lógico
concentração
Sintomas emocionaisHumor depressivo
Irritabilidade
Timidez excessiva
Fadiga / desânimo
Sistema Nervoso AutônomoSudorese excessiva
Rubor facial
Sistema Nervoso PeriféricoVelocidade de condução nervosa motora e sensitiva alterada
Alterações eletroneuromiográficas

Alguns desses distúrbios, quando presentes, resultam em alterações neurológicas e neurocomportamentais inespecíficas e subjetivas, dificultando o diagnóstico de possível relação causal com o mercúrio.
Buscando-se o aprimoramento do diagnóstico dessas alterações, tem-se preconizado o uso de métodos mais objetivos de aferição que prescindem do relato isolado de sintomas. Tais métodos resumem-se a detectores e quantificadores de tremor, medidas de coordenação motora, aplicação de baterias de testes neurocomportamentais, que incluem testes psicomotores, de função cognitiva, memória e escalas de humor, e utilização de métodos chamados neurofisiológicos, como medição de velocidade de condução nervosa e eletroneuromiografia.
O objetivo dessas metodologias é quantificar as alterações observadas e correlacioná-las com os indicadores de dose atualmente disponíveis, como as medidas de mercúrio no ar ambiente e as dosagens de mercúrio no sangue e urina. Outro objetivo importante é a verificação da reversibilidade das alterações detectadas
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A grande dificuldade na utilização desses métodos refere-se à situação específica em que eles são propostos. A utilização de testes muito sensíveis e inespecíficos, como algumas baterias de testes neurocomportamentais, traz consigo os inconvenientes do provável excesso de falsos positivos. Testes diagnósticos com essas características têm sido utilizados, em geral como técnicas de triagem para detecção de possíveis casos de intoxicação, que deverão ser explorados por outros métodos, e/ou em estudos epidemiológicos. Nesse segundo tempo, a alocação aleatória dos indivíduos e a comparação de resultados, com grupos controles emparelhados e com características demográficas semelhantes, tendem a controlar as variáveis de mascaramento sempre presentes nesse tipo de investigação.
Atualmente existe grande controvérsia quanto à utilização de bateria de testes neurocomportamentais como ferramenta diagnóstica isolada de outros métodos na definição de casos de intoxicação, sejam eles por exposição a mercúrio ou por outro agente neurotóxico.
Baterias de testes utilizadas em pesquisa epidemiológica não estão indicadas para o trabalho diagnóstico, pois as duas práticas têm objetivos diferentes. Por exemplo, quando o objetivo é o diagnóstico de uma afecção (no caso, uma intoxicação), a preocupação é a de estabelecer se o indivíduo sofreu deterioração de suas funções cognitivas e se essa deterioração está associada à exposição ao neurotóxico.
Neste caso a ponderação sobre variáveis individuais, sociais, culturais, de história de vida, de vida familiar, e a comparação com seu desempenho anterior em tais tipos de teste, é de extrema importância, necessitando mesmo uma abordagem multidisciplinar visando a definição diagnóstica do caso e incluindo a participação de toxicologistas, clínicos gerais, higienistas e neuropsicologistas.
Por outro lado, em estudos epidemiológicos o que se busca é evidenciar diferenças de desempenho entre grupos populacionais teoricamente comparáveis e, nesse sentido, o aprofundamento individual das alterações encontradas não é tão importante, privilegiando-se a sensibilidade do teste, em detrimento da especificidade.
Willianson, em 1995, discutindo os problemas intrínsecos à aplicação de testes neurocomportamentais em pesquisa epidemiológica ocupacional, aponta como principais variáveis de confusão a serem controladas, as seguintes:
a) efeitos advindos da motivação pelo desempenho nos testes, que por si só podem tomar direções opostas, dependendo da situação em que o trabalhador se encontre, ou seja, de negar possível presença de alteração ou simular a presença da mesma;
b) situação física em que se dá a aplicação dos testes, levando-se em conta o local, temperatura, conforto, estresse ambiental, cansaço, efeitos de turnos (ciclo circadiano), etc.;
c) procedimentos utilizados, em termos de padronização e em termos de interface com o paciente em questão;
d) efeitos provenientes da exposição repetida aos testes em questão;
e) diferenças inter-individuais como idade, nível de educação, uso de bebidas alcoólicas, uso de drogas psicotrópicas, problemas pré-existentes como déficit de aprendizado, ou mesmo distúrbios psíquicos não previamente detectados.
Ainda no campo das dificuldades do uso de baterias de testes para fins diagnósticos deve-se apontar o problema da ausência de valores de referência populacional adequados para a maioria dos testes em uso.
Utilizando-se dessas metodologias, diversos autores e grupos de pesquisas têm estudado populações trabalhadoras expostas a mercúrio elementar, tentando, por exemplo, sugerir limites de tolerância diferentes dos atualmente preconizados. No entanto, a ausência de padronização tanto na coleta de dados quanto na apresentação dos resultados, assim como nas metodologias utilizadas, na apresentação de resultados de medição de mercúrio no ar ambiente e nas dosagens de mercúrio urinário, tornam esses trabalhos pouco utilizáveis. Nem todos conseguem apresentar relação de dose-resposta com os efeitos diagnosticados, dificultando a interpretação de tais efeitos dentro de um raciocínio causal. Isso se deve, em geral, ao tamanho amostral, e às vezes à magnitude das diferenças encontradas entre grupo exposto e grupo controle, apesar da existência de significância estatística.
Os estudos epidemiológicos iniciais foram realizados em situações de exposições bastante elevadas, caracterizadas por médias de mercúrio urinário, em certos casos, várias vezes acima do limite de tolerância para a época, em trabalhadores assintomáticos ou com poucos sinais clínicos de intoxicação. Mas, os níveis médios de exposição são bastante elevados para os padrões atuais de higiene industrial.
Com relação à ocorrência de neuropatia periférica, estudos experimentais têm mostrado que as fibras sensitivas são mais sensíveis ao mercúrio elementar que as fibras motoras, ao contrário do que ocorre na intoxicação por chumbo inorgânico. No entanto, do ponto de vista eletroneuromiográfico, vêm-se alterações tanto na velocidade de condução nervosa de nervos sensitivos quanto de nervos motores. Isto leva outros autores a afirmar que os distúrbios no sistema motor, quando ocorrem, são mais propensos à reversão do que, por exemplo, as alterações nas funções cognitivas. A utilização de procedimentos de triagem que levem em conta apenas a aferição de funções motoras, como critério de afastamento da exposição, por exemplo, pode representar um risco para os trabalhadores. Por outro lado, as alterações das funções cognitivas são mais insidiosas e difíceis de serem detectadas em situação de controle médico dentro dos locais de trabalho.
Quadros clínicos relacionados com alteração localizada no corno anterior da medula espinal têm sido relatados na exposição a mercúrio orgânico (como o etil-mercúrio empregado como fungicida em sementes), caracterizando o diagnóstico sindrômico de esclerose lateral amiotrófica (ELA). No entanto, dois relatos da literatura descrevem três casos de trabalhadores expostos a mercúrio inorgânico que desenvolveram quadro clínico abrupto, compatível com diagnóstico sindrômico de ELA, mas com reversão total dos sinais e sintomas após afastamento da exposição. Num destes relatos, dois trabalhadores inalaram poeira de óxido de mercúrio (Hg0) na fabricação deste sal. Em outro, um trabalhador expôs-se a mercúrio elementar por dois dias consecutivos apenas, em tarefa de recolhimento de vazamento acidental de mercúrio metálico em fábrica de termômetros. Houve reversão total do quadro clínico nestes três casos.
C. Toxicocinética e diagnóstico laboratorial
Tanto a forma orgânica quanto a forma inorgânica elementar são absorvidas e distribuem-se pelo sangue. Assim, a dosagem de mercúrio sanguíneo reflete as duas fontes de mercúrio, orgânico, por via oral, no caso de alimentos contaminados, e elementar, por via inalatória. A meia-vida biológica do mercúrio é de cerca de dois meses no organismo como um todo.
A excreção é feita através da urina (principal mecanismo, no caso do mercúrio inorgânico elementar), sendo que o mercúrio orgânico é praticamente todo excretado pelas fezes. Assim, o mercúrio urinário é bastante representativo da absorção inalatória de mercúrio elementar. Outras vias de excreção incluem suor, ar exalado, cabelo, descamação da pele, unhas.
A excreção urinária (em µg/g de creatinina urinária ou µg/gC) guarda relação com a exposição ambiental (em µg/m3) e mantém relação numérica de 1:1,5 aproximadamente: exposição a 35 µg/m3 de de mercúrio no ar correlaciona-se uma excreção urinária de 50µg/gC, desde que o indivíduo esteja em equilíbrio com o meio.
A dosagem de mercúrio urinário reflete uma exposição corrente, não tendo relação direta com o quadro clínico. Desta forma, um trabalhador que apresente níveis de mercúrio urinário acima de 35µg/gC (limite biológico máximo permitido para este indicador, pela NR7, 1994), encontra-se em situação de exposição perigosa, com probabilidade de apresentar sinais e sintomas compatíveis com intoxicação caso continue no mesmo ambiente, mas não encontra-se necessariamente intoxicado. O diagnóstico de intoxicação por mercúrio elementar baseia-se em sinais e sintomas compatíveis, a serem descritos abaixo, prescindindo da dosagem de mercúrio urinário para sua confirmação ou exclusão. Como a meia-vida biológica do mercúrio é relativamente curta, após poucas semanas de afastamento da exposição os níveis de mercúrio urinário devem voltar a estar dentro dos valores de referência, embora, no caso hipotético de uma intoxicação, seus sinais e sintomas ainda persistam.
As dosagens urinárias de mercúrio nas exposições ao mercúrio elementar e sais inorgânicos têm seu maior valor na confirmação da exposição e no controle da terapêutica quelante, quando indicada.
No caso de exposição a compostos orgânicos, a dosagem urinária tem pouco ou nenhum valor, já que sua excreção se dá pelas fezes. Aí, a dosagem sangüínea é o exame de escolha e, em geral, reflete a carga corpórea.
Valores de referência para mercúrio na urina e no sangue dependerão de investigação em populações regionais isentas de exposição inalatória ou digestiva ao mercúrio. Para o Mercúrio sangüíneo, a média para a população não exposta varia de 1 a 8µg/L e o Mercúrio urinário varia de 4 a 5µg/L. Mais recentemente estudos internacionais subsidiaram o valor estabelecido pela International Commission on Occupational Health (ICOH) e pela International Union of Pure and Applaied Chemistry (IUPAC) de 2µg/L na urina para pessoas que não consomem peixe. No Brasil, a NR-7 do Ministério do Trabalho, 1996, define valores de referência para adultos e índices biológicos de exposição (ou índices biológicos máximos permitidos) para mercúrio urinário - VR = 5µg/gC e IBE/IBMP, = 35 µg/gC.
Nas situações clínicas nas quais a exposição foi crônica com doses desconhecidas, ou variável ao longo do tempo ou se deram há mais de dois meses do diagnóstico sintomático, as dosagens de mercúrio urinário ou sangüíneo poderão apresentar discrepâncias. Nesses casos o diagnóstico deve ser realizado a partir da presença de sinais e sintomas compatíveis, relação temporal definida entre o surgimento destes e a história de exposição, e história de exposição comprovada (conhecimento do ambiente + dosagens ambientais caracterizando presença de mercúrio no ar acima dos limites de tolerância estabelecidos).
Convém ainda salientar que, apesar de bastante utilizado como material de obturação dentária, o amálgama de mercúrio dentário em geral proporciona elevações no mercúrio urinário em proporções não significantes, de cerca de 3 a 17µg por urina de 24 horas, e que em alguns estudos esses resultados não passaram de 5µg/24 horas, pouco interferindo nos resultados de monitorização.
D. Tratamento
Os casos de intoxicação aguda por mercúrio elementar, casos raros onde a exposição se dá em altas concentrações e geram quadro de pneumonite química grave, além do tratamento inespecífico relacionado à manutenção da homeostase interna, os pacientes podem ser tratados com agentes quelantes. Dentre eles destacam-se: o dimercaprol (BAL), a penicilamina e o ácido dimercapto-1-propanilsulfônico (DMPS).
Pessoas com diagnóstico de intoxicação crônica devem ser afastadas imediatamente da exposição. O tratamento quelante não tem mostrado vantagens sobre a excreção urinária natural do mercúrio, embora alguns produtos de nova geração, como os ácidos 2,3-dimercaptosuccínico (DMSA) e dimercapto-1-propanilsulfônico (DMPS), tenham apresentado resultados discretamente benéficos em casos selecionados. Apesar de o DMPS aumentar a excreção urinária de mercúrio em trabalhadores expostos a cerca de 7,6 a 10 vezes o valor pré-quelação, esse fator não é muito diferente do fator obtido em controles não expostos.
Da análise da literatura, observa-se tendência marcante de tentativa de redefinição dos limites de tolerância ambientais e biológicos para o mercúrio elementar, em função de achados neurocomportamentais e neurofisiológicos sub-clínicos, faltando, para tanto, a definição de maior homogeneidade nas populações de estudo, visando comparabilidade de resultados e entendimento mais aprofundado do significado clínico (prognóstico, basicamente) das alterações encontradas, além de desenho epidemiológico prospectivo, pois a grande maioria dos trabalhos apresenta desenho transversal (cross sectional).
Sais de mercúrio inorgânico 
O mercúrio inorgânico na forma de sais monovalentes ou bivalentes, como o bicloreto de mercúrio, está normalmente disponível como reagente em laboratórios químicos, e pode ser causa de acidentes ou tentativas de suicídio e homicídio por via digestiva. Ele faz parte do conteúdo químico das baterias tipo botão e cilíndricas.
A ingestão de sais inorgânicos de mercúrio produz um amplo espectro de efeitos, de irritação leve do trato gastrintestinal até a insuficiência renal aguda com evolução letal. Algumas horas após a ingestão, ocorrem descoloração acinzentada das mucosas, gosto metálico da boca, náuseas e vômitos, que podem ser sanguinolentos, com dor abdominal, hematêmese e eventualmente melena. Quadros graves registram gastrenterite hemorrágica com perda massiva de líquidos, levando a necrose tubular aguda.
Trata-se de substância extremamente tóxica pela classificação baseada em DL50. A dose letal calculada para humanos é de 30 a 50mg/kg de peso. Alguns autores descrevem casos relativamente típicos de ingestão em tentativas de suicídio, com doses de 6 e 7g, respectivamente, com desenvolvimento de insuficiência renal aguda após quadro de hemorragia extensa do trato gastrintestinal, e morte, apesar dos tratamentos quelantes, da hemodiálise e da plasmaferese.
A análise da evolução de séries de casos tem mostrado que a morte está associada à ocorrência precoce de oligúria, que revela um acometimento tubular agudo com necrose, e está relacionada com a dose ingerida.
A ingestão de baterias tipo botão ou cilíndricas deve ser motivo de preocupação médica e observação criteriosa do paciente, apesar dos poucos casos de complicação desse tipo de acidente até o momento. O tratamento desses casos pode necessitar de intervenção cirúrgica, quando a bateria se rompe na luz do trato gastrintestinal, causando corrosão, necrose e perfuração.
O tratamento das intoxicações por sais inorgânicos de mercúrio, além dos cuidados inespecíficos de controle do choque, da insuficiência renal aguda, do sangramento de trato gastrintestinal e, eventualmente, de procedimento cirúrgico nos casos de necrose da parede digestiva, inclui o uso precoce de agentes quelantes. Os quelante indicados são o BAL por via intramuscular, o DMSA e o DMPS. A eficácia de tratamento quelante dependerá do grau de hipovolemia, que dificulta o acesso do fármaco aos sítios de ação do mercúrio, e do grau de insuficiência renal. Hemodiálise, hemoperfusão e plasmaferese devem ser cogitadas e instituídas, em função do caso.
Mercúrio orgânico 
O mercúrio orgânico se encontra, principalmente, na forma de compostos alquilados (metilmercúrio, etilmercúrio), que foram utilizados, por décadas, como fungicidas na conservação de grãos e sementes, em cultura de cana de açúcar (no Brasil) como conservante dos gomos para o plantio, e pode ainda ser encontrado na indústria química como subproduto de sínteses. A intoxicação humana se dá pela via digestiva, por ingestão direta dos compostos ou de alimentos produzidos com grãos contaminados, ou consumo de peixes e frutos do mar que acumularam quantidades significativas de mercúrio orgânico.
a) Diagnóstico clínico
A toxicodinâmica desses compostos está primordialmente relacionada a efeitos no sistema nervoso central (sistema nervoso central). As diversas epidemias de intoxicação por mercuriais orgânicos de cadeia curta (metil e etilmercúrio) ocorridas no mundo desde a década de 50, como no Japão, Iraque e México, por exemplo, produziram efeitos agudos e crônicos relacionados basicamente com lesões no sistema nervoso central. Apesar da síndrome ser marcadamente neurotóxica e tardia, pode-se observar nesses episódios, quadros agudos associando sintomas gastrintestinais, tremores, sintomas respiratórios e dermatites. De forma mais típica, no entanto, os sinais e sintomas de intoxicação ocorrem cerca de semanas a meses após o episódio de ingestão, e incluem parestesias na face (lábio) e extremidades, seguidos ou concomitantes a cefaléia, fadiga e tremores. A evolução clínica pode mostrar ataxias, disartrias, constrição do campo visual (visão tunelar) e cegueira, além de distúrbios de audição, hiperreflexia, movimentos atetóticos, ptialismo e quadros variados de demência. E estudo de 33 pacientes intoxicados no episódio do Iraque, onde grãos contaminados com metilmercúrio foram usados para fazer pão, as alterações cerebelares foram as mais proeminentes e as que deixaram mais seqüela.
Em Minamata, no Japão, mães contaminadas por metilmercúrio, apesar de não apresentarem sinais e sintomas de intoxicação, tiveram filhos com baixo peso e hipotonia muscular, retardo de desenvolvimento neuropsíquicomotor, tendência a convulsões, surdez e cegueira.
Como na exposição crônica a mercúrio metálico elementar por via inalatória, o profissional de saúde deve estar preparado para avaliar alterações sub-clínicas de sistema nervoso central e sistema nervoso periférico, com testes neurocomportametais padronizados para o tipo de população estudada e testes neurofisiológicos, como eletroneuromiografia e velocidade de condução nervosa.
b) Diagnóstico laboratorial complementar
A avaliação laboratorial complementar deve incluir pesquisa da função renal e dosagem de mercúrio no sangue. A interpretação de níveis baixos de mercúrio sangüíneo não deve descartar a relação etiológica do quadro clínico com uma exposição ao mercúrio no passado.
c) Tratamento
O tratamento com agentes quelantes desse tipo de intoxicação é pouco animador. Para uso de BAL, DMPS e DMSA, deve-se levar em conta aspectos da toxicocinética dos compostos mercuriais orgânicos (meia-vida plasmática, volume de distribuição, ligação tecidual, etc.), além da experiência acumulada na literatura mostrando pouca resposta clínica.
Nenhum trabalho experimental ou clínico, até o momento, mostrou reversão de sinais e sintomas neurológicos com o uso de quelantes, apesar de haver decréscimo na meia-vida de eliminação do mercúrio de 60 dias para 10 dias em alguns estudos. Apesar de não se observar melhora clínica, é bastante razoável postular que a redução da carga corpórea de mercúrio durante a quelação diminua o risco de piora dos sinais e sintomas e tenda a estabilizar o quadro. Uma resina politiólica administrada por via oral pode ser útil em exposições mais recentes, por interromper o ciclo entero-hepático de excreção e reabsorção do mercúrio pelo trato gastrintestinal.